quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

passado

O passado bóia no mar, não tem peso suficiente para se afundar no recife. Será apenas devido ao peso, ou são as memórias que ainda nos interligam de uma forma bizarra? Quem sabe se algum vestígio deste Pretério-Perfeito venha dar à margem daquele areal onde se encontra a minha mente. Talvez o destino preveja uma onda com todas as memórias, e tu mesmo a apanhes com a tua prancha navegando também pelo passado, relembrar-te-ás de mim.A neblina de fim de tarde paira neste areal deserto e tranqüilo. Sinto saudades do sol ameno a acarinhar-me as maças do rosto e os meus ombros despidos com sabor a mar. Volto a ver o meu corpo banhado de um tom doirado e os belos mergulhos matinais. O tempo recua e revivo o verão passado. A casa de campo enchia-se de gente a norte a sul do país. As gargalhadas invadiam todas as divisões que ecoavam nas montanhas. Os cavalos saiam do estábulo e calvagavam livremente pelo prado, assim como as gaivotas rasgavam os céus à beira-mar. Gostava de fugir do ambiente festivo e refugiar-me debaixo dos carvalhos. Deitava-me a contemplar o céu azul e limpo que me tranqüilizava a mente. Era tudo tão recente e incerto. O meu corpo só desejava estar colado ao teu e a mente só sossegava com as tuas doces palavras. O coração estava preso a ti, ao presente. No entanto eu não queria apaixonar-me por ti. Não queria que houvesse um Futuro. Desejava que tudo fosse enterrado num pretérito perfeito. Foi aí que aprendi que somos incapazes de contrariar o amor, e que a paixão é um adereço da vida, que o amor é ela própria. Dentro de dois dias tudo iria terminar, e eu solitária a pensar com o céu azul e o campo verdejante. Queria fechar os olhos e esquecer tudo o que se tinha passado, apagar as nossas memórias e excluir-te do meu pensamento. Não podia ficar presa, eu precisava da minha liberdade excêntrica e não da dependência sobre um homem. Os pensamentos voavam pelo ar trasmontano e as lágrimas nasciam na densa irís que se ia inundando de mágoas. A respiração acelerava cada vez mais e alguns pardais descolavam dos ligeiros galhos agitados pela brisa. Contei os quilômetros de Porto a Lisboa, não havia solução para um amor tão incontrolável e possessivo. Decidi naquele momento parar por ali, não alimentando mais a esperança da felicidade. Porém as decisões da mente valem zero quando os impulsos do coração são mais fortes e resistentes... Tinha que sair daquele beco sem saída. Fechei os olhos novamente e concentrei-me no ambiente onde me encontrava. A brisa tinha parado, mas a relva continuava agitada roçando-se nas belas margaridas do campo. Afinal esse facto tinha uma razão obvia. Alguém se tinha deitado ao meu lado e me mexia nos cabelos de amora. Não foi preciso adivinhar a sua identidade visualmente, o seu leve beijo nos meus lábios me deu de imediato a resposta. As palavras foram poucas, o calor que me proporcionavas conseguia transmitir toda a loucura daquele momento. Éramos completamente irracionais, não tínhamos consciência do que estávamos a fazer às nossas vidas. Criamos um destino longínquo, um romance demasiado prematuro e eu encontrei tudo o que me faltava. E essa presença de valores é válida até à morte, aquele escasso tempo valeu para esboçar um sorriso todos os santos dias. Não me arrependo das saudades de hoje, de ontem, de amanhã. Das noites acordadas agarradas à nossa tartaruga em busca do teu perfume e dos teus beijos sedutores. Descobri uma saída. A resposta era continuar a amar-te para toda a minha vida, mas não ficando presa a ti. O verdadeiro amor é conseguir aguardar por ele, nem que tenhamos que passar longos anos na solidão. Não adianta atira-lo para o mar como se as memórias se apagassem no fundo do recife. Alimentar a esperança mantém a chama viva e acesa, como se te sentisse todos os dias. Foste por um caminho, e eu por outro. Mas ambos nos levarão ao mesmo destino, aos braços um do outro, amo-te para sempre.

1 comentário:

  1. "(...) os meus ombros despidos com sabor a mar."
    "Foi aí que aprendi que somos incapazes de contrariar o amor, e que a paixão é um adereço da vida, que o amor é ela própria."
    "(...) as lágrimas nasciam na densa irís que se ia inundando de mágoas."

    que lindo, estou sem palavras.

    ResponderEliminar