segunda-feira, 26 de maio de 2008

Degraus da vida.

O Outono é um homem valente, paciente e humilde. Sem futilidades, arranca as suas folhas, deixando-as cair no chão deserto. Com o seu corpo despido, luta constantemente pela mulher da sua vida, a vitoriosa Primavera. A sua beleza e os seus prados floridos são disputados pelo Inverno e pelo Outono. Numa batalha da natureza, o poderoso Inverno, sem compaixão, asfixia o inimigo com um manto de neve gélida e ardente. Com o adversário fora do caminho, o vencedor ocupa o lugar que o Outono deixara, ficando ele agora a aguardar a primeira manhã primaveril, o troféu ganho no conflito. C aminhei por um trilho numa manhã cinzenta, típica de Outono. O chão estava coberto de folhas secas avermelhadas e castanhas. Era a passadeira vermelha do destino. Mais adiante avistei uma escada cujo fim não era visível. Tentei alcançá-la, mas cada vez se afastava mais. Parei e sentei-me no meio do caminho. Observei o que me rodeava. Os braços nus das árvores de ambos os lados iam ao encontro uns dos outros, abraçando-se no ar. A sua união formava uma ponte que bloqueava o sol, no entanto esta era imperfeita. Existiam pequenas fendas por onde o prisioneiro conseguia escapar. Os arbustos eram chamas fugazes que o Outono cuspia pelo solo. Chamas de fervor da injusta derrota. Chamas preenchidas pelo mar sangrento criado na batalha frente ao Inverno. No ar, pairava o cheiro forte das folhas de eucalipto que se misturava com os sopros brandos do nevoeiro. Formava-se, então, um ambiente místico e enfeitiçado. Encostei-me a um amplo tronco. Eu era o frágil musgo tentando alcançar a copa. Pequeno e ingénuo, tropeçava nos risos, abraçava veneno. Nas vestes castanhas da árvore, encontrei um rasgão. Espreitei. Vi um vácuo sombrio com um rijo brilho ao fundo, e alguém bradava, com uma voz divina, que o topo era o céu. Então o vento ergueu-me e limpou as gotas de suor que me escorriam pelo rosto. Mais uma vez, tentei alcançar a escada. Não era a distância que me impedia de a agarrar, mas sim o olhar egoísta, o olhar de querer subir até ao céu, tornando-me aliada da solidão. A passadeira do destino tinha terminado. Estava diante dos esperados degraus da vida, que me poderiam fazer escorregar e cair no infinito abismo. Subi devagar, todo o meu corpo tremia como finas varas ao vento. Cheguei ao topo e deslumbrei-me. Estava diante de um extenso lago de águas serenas como o relento da noite. À volta, havia prados verdes humedecidos pelas lágrimas das nuvens. Tirei do bolso uma das pedras achadas no caminho. A pedra reflectia uma estrondosa luz verde, tinha semelhanças com a esmeralda. Lancei-a com precisão para o centro do lago. A serenidade tinha terminado. Círculos de água estremecida se formavam em redor da pedra, que excentricamente flutuava no lago, cada vez mais brilhante e bela. O sol começava a pôr-se atrás das montanhas. O céu era um quadro com a junção dos tons quentes. As densas nuvens rosadas encontravam-se e formavam uma escada no céu em direcção ao sol. A voz tinha razão, ainda não tinha atingido o topo, havia mais um caminho pela frente…

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